Você gostaria de morar em um apartamento como este da foto, de 100 metros quadrados, dois dormitórios, novo e reformado, a duas quadras da praia de Ipanema, pagando apenas R$ 1.500 por mês? Ou então em outro muito parecido, próximo à Av. Paulista, em São Paulo, pelo mesmo valor?
Então temos uma boa e uma má notícia para você. A boa é que anúncios como esses estão pipocando em sites de venda e aluguel de imóveis. A má é que é golpe.
Tratam-se de pessoas anônimas que usam os sites de imóveis com anúncios falsos para pedirem depósito das pessoas, em troca da promessa de entregar as chaves. As chaves, no entanto, não serão entregues nunca.
Nas últimas semanas, encontramos ao menos quatro anúncios do gênero no site de buscas de imóveis Imovelweb. Em comum, todos têm as seguintes características: oferecem um apartamento lindo, mobiliado, em uma área nobre, extremamente espaçoso e espantosamente barato – o menor que encontramos tinha 100 m² e o maior 201 m², todos por menos de R$ 1.500. Incluso condomínio.
Para se ter uma ideia, um apartamento de 100 m2 em Ipanema estava anunciado por R$ 1.500, o que significa R$ 15 por metro quadrado, quando a média do bairro, segundo o Índice FipeZap, é de R$ 57. Outro, na Av. Luiz Carlos Berrini, principal centro empresarial de São Paulo, cobraria apenas R$ 6,96, para uma média de R$ 51 no FipeZap.
Além disso, os anunciantes são identificados apenas por assinaturas vagas como “pfragner262”, “philip.torres51” ou “armando.sahcnez052”. Assim mesmo. “Sahcnez”. Todos os anúncios foram publicados de menos de dois meses para cá.
Os golpistas
Entramos em contato com todos eles, por meio do canal de “fale com o anunciante” do próprio site. Recebemos resposta em dois deles, por email, com mais detalhes sobre o anúncio.
Nos dois a história foi a mesma, embora enviada sob nomes diferentes: um estrangeiro (os emails chegam em inglês ou português macarrônico) que teve que voltar para o seu país e busca alguém que apenas ocupe e cuide do imóvel – daí o preço barato.
Ambos também disseram que, por não estarem no país, quem está cuidando dos trâmites locais é o Airbnb, e que o pagamento deve ser feito por meio do site ou de um depósito direto. Depois do pagamento, as chaves seriam entregues.
Os dois primeiros alugueis deveriam ser pagos adiantados, e, do terceiro mês para frente, a cobrança passaria a ser feita mensalmente por esta suposta agência do Airbnb.
Em todos, perguntamos se podíamos visitar o imóvel e pedimos a confirmação do endereço, mas esta pergunta não foi atendida por nenhum.
“Estou a viver em Inglaterra”
“Obrigado pelo tempo despendido para ir ver o meu apartamento. Estou em Inglaterra neste momento e tenho estado muito ocupado no meu trabalho. (…) Neste momento estou a viver em casa dos meus pais e deixei o meu trabalho para aceitar um contrato de 8 anos em Inglaterra, motivo pelo qual decidi alugar. Portanto, se está interessado em alugar o meu apartamento, por favor, envie-me mais detalhes por e-mail.”
Foi o que nos escreveu, no dia 22/11, Jack Capron, suposto proprietário deste apartamento de 3 dormitórios na Vila Uberabinha (foto acima), parte do bairro de Moema, em São Paulo, por R$ 1.400. “Este preço inclui os custos dos serviços básicos”, escreveu.
E um PS: “Posso comunicar consigo em inglês? O meu português é muito fraco.”
Respondemos em inglês, nos apresentando como um engenheiro de 43 anos que buscava um lugar para viver por pelo menos três anos. “Você parece uma pessoa muito simpática e tenho certeza de que não haverá nenhum problema”, nos respondeu de volta Jack, já em inglês.
Explicou então as condições do “contrato” pelas quais os dois primeiros meses são pagos adiantados e, a partir dos seguintes, diretamente para ele em sua conta.
“A entrega das chaves e o contrato de aluguel (assinado por mim), serão feitos pelo Airbnb. Eles também nos ajudarão com a transação para que você, dessa maneira, se sinta segura quanto o acordo. Para começar a transação com o Airbnb você precisa me enviar os seguintes detalhes”
Na sequência, pede uma série de dados pessoais incluindo nome completo, telefone, número do documento e cópia de comprovante de endereço.
NUNCA FAÇA DEPÓSITOS
Este é o primeiro alerta dado pelo Airbnb, com quem entramos em contato para denunciar a fraude após falarmos com “Paul Wag”, o dono fantasma de apartamento de 130 m², dois dormitórios e uma vaga de garagem a uma quadra da Av. Paulista, anunciado no Imovelweb por R$ 1.500.
Escrevemos perguntando qual era o valor do condomínio – que não constava no anúncio, quando a maioria dos anúncios no site dão esta informação. “O valor mensal é R$ 1.500 e já inclui condomínio e todas as utilidades como água, luz, internet, TV a cabo e vaga”, ele respondeu, em inglês.
Não bastando todas as contas inclusas, Paul, que também se disse um britânico que teve que voltar para seu país e que busca alguém que cuide do imóvel em São Paulo, ainda garante que a casa é toda mobiliada e, se preferir, há também um depósito para deixar tudo. Também incluso no preço.
No caso de Paul, o pedido de pagamento foi um pouco diferente. Em seu email, ele também explica que quem cuida do aluguel em São Paulo é o Airbnb e enviou um outro link do mesmo anúncio na página do Airbnb, por onde deveria ser feita a reserva.
A página era uma reprodução perfeita do layout do site de compartilhamento, com fotos do imóvel, informação do proprietário, logotipo idêntico e as barras de preenchimento de dados para reserva e pagamento, exatamente como no Airbnb.
Alguns detalhes, no entanto, deixavam claro que era uma farsa. A URL, por exemplo, começava com “www.air-bnb-brasil-apt76.16mb.com”, quando qualquer página oficial do Airbnb fica sob o “www.airbnb.com”. Os botões do pé da página, como os que dão opção de mudar de língua ou moeda, não levavam a lugar nenhum.
Informamos ao Airbnb da fraude no dia 17/11. O anúncio foi tirado do ar em poucas horas. Também enviamos ao “Fale Conosco” do Imovelweb, na mesma data, a mesma denúncia, mas não recebemos resposta e todos os links continuavam no ar até a publicação deste post, quase um mês depois.
“Golpe do gringo”: as recomendações do Airbnb e Imovelweb
Para fazer denúncias, reclamações e tirar dúvidas com o Airbnb é necessário enviar uma mensagem por meio da “Central de Ajuda” do site, neste link. A maior parte das perguntas são respondidas e gerenciadas por uma rede de internautas usuários do próprio site. Em poucos minutos recebemos resposta de dois deles.
As principais indicações são jamais fazer transferências bancárias ou depósitos em nome do Airbnb – estas opções não existem nos procedimentos do site. Todos os pagamentos são feitos online, por meio do sistema da própria página. Ver o perfil dos anunciantes e verificar se há avaliações de outros hóspedes são outras dicas de segurança dadas pelo suporte do Airbnb.
Veja uma das mensagens:
“Esse é mesmo um golpe e ficou conhecido como “o golpe do gringo” e que, apesar de várias denúncias e investigações (além de muitos anúncios desativados), continua se repetindo. O Airbnb está atento e colabora ajudando nas investigações, pois seu nome é usado por alguns desses fraudadores, através de sites e anúncios falsos, aos quais os hóspedes são levados ao iniciar uma busca por outros sites de imóveis.
Para que uma reserva seja protegida, o princípio de tudo é que os usuários sejam cadastrados no site e, após inteirarem-se das normas do serviço, façam suas transações e pagamento dentro da plataforma, mas algumas vezes não chegam a fazê-lo, perdendo seu dinheiro em contas bancárias que nada têm a ver com o Airbnb (que nem aceita depósito bancário como forma de pagamento).”
Também entramos em contato com o Imovelweb por meio da assessoria de imprensa. Segundo o presidente da empresa, Mateo Cuadros, alguns cuidados que merecem “total atenção” para não cair em golpes como estes são “preços anunciados muito abaixo do mercado, fotos que não condizem com a descrição, formas de pagamento fora do mercado ou do usual e contatos duvidosos.”
Cuadros, que nos respondeu por email, informou ainda que, para informar publicações duvidosos e outros erros, há um link de denúncia em todos os anúncios – ele fica logo acima da foto, no formato de uma bandeira.
“Conhecemos ( o ‘golpe do gringo’) e sempre estamos atentos a golpes e anúncios fraudulentos. Quando acontece, assim que identificado, tomamos as devidas providências de excluir o anúncio do site. Conforme comentamos, os usuários precisam estar atentos as informações suspeitas que sejam ‘fora da realidade'”, acrescentou o presidente do Imovelweb.
Outras dicas de investigação
Anunciantes que pedem depósitos diretos, dados pessoais e que não dão chance de visita antes do fechamento do acordo devem sempre – ouviram? SEMPRE – ser vistos com cautela. Para histórias excêntricas, como esta de um gringo alugando seu imóvel por um preço muito abaixo do mercado, também é bom dar alguns passos para trás.
Quando se deparar com coisas do gênero, há alguns recursos de checagem rápida que são possíveis hoje graças à internet. Veja alguns:
1. CHEQUE NOMES E MENSAGENS
Procure o nome dos anfitriões no Google, para ver o que há a respeito deles no mundo. Eles existem? Eles têm a profissão que dizem? Faça a busca pelo nome entre aspas, assim o Google busca resultados com o termo extao. Outra pesquisa possível – e importante – é checar a procedência da mensagem. Faça isso buscando por frases exatas do email que recebeu, também entre aspas.
Ao buscarmos, por exemplo, por – “I am looking for a responsible person that can take a very good care of my house” -, primeira frase do email que recebemos de Paul Wag, os primeiros resultados são justamente denúncias de pessoas que caíram no mesmo golpe com o mesmo nome e o mesmo email, como este, de 2012, e este, na Suíça! Quer dizer, Paul Wag está pelo mundo inteiro e faz tempo. Veja o resultado completo da busca aqui.
2. CONFIRA O ENDEREÇO
É comum que os anúncios de aluguel na internet não informem o endereço, o que dificulta a busca. Mas há exceções. O anúncio de Paul Wag, por exemplo, detalhou: R. Bela Cintra, 866. Mas, se você procurar este endereço na internet, o que encontrará é o edifício comercial que serve de sede à escola de cursos profissionalizantes LFG.
3. BUSQUE PELAS IMAGENS
Sim, o Google possui essa funcionalidade. Primeiramente, clique com o botão direito sobre as imagens do anúncio e salve em seu computador. Depois, entre na página de busca de imagens do Google – https://images.google.com. No campo de digitação, à direita, há o ícone de uma pequena câmera fotográfica. Ela permite fazer busca de imagens a partir de outra imagem. Clique, faça o upload das fotos que você salvou, e veja o resultado.
A mesma foto do apartamento que encontramos na Berrini, por exemplo, aparece em um anúncio no Peru! Em Lima. Quer dizer: ou o mesmo apartamento, com os mesmos móveis, existe em dois lugares ao mesmo tempo, ou um dos dois é falso.